O procurador-geral da República, Paulo Gonet, tem imposto sigilo aos dados sobre as passagens e diárias que recebe para viagens de trabalho. Desde quando tomou posse, em dezembro do ano passado, esses deslocamentos já custaram R$ 75 mil aos cofres públicos.
Há cinco meses, Gonet evita divulgar os seus destinos e objetivos das viagens representando o órgão. A única informação disponível no portal da transparência do Ministério Público Federal (MPF) é o valor de cada deslocamento e das diárias utilizadas. As informações foram levantadas pelo Estadão, que entrou em contato com a Procuradoria-Geral da República (PGR), mas não obteve retorno.
Segundo a publicação, no portal da transparência Gonet cita a Lei de Acesso à Informação (LAI) e uma portaria publicada em 2022 pelo ex-procurador-geral, Augusto Aras, para justificar o sigilo aos dados. A referida portaria estabelece que “por razão de segurança, o extrato relativo à emissão das passagens conterá apenas a informação da despesa mensal”.
A portaria de Aras não apresentou justificativas ou estudos técnicos sobre os supostos perigos aos quais os membros do MPF estariam suscetíveis casos deem transparência aos seus itinerários e gastos com o trabalho. Tão pouco especifica quais membros e servidores podem usar a medida para ocultar as informações.
A alegação de motivo de segurança para não divulgar os dados choca-se com o fato de que as informações só são divulgadas após a viagem, quando a alegação de risco já teria deixado de fazer sentido.
O mesmo recurso tem sido utilizado por dezenas de subprocuradores e procuradores para ocultar informações relacionadas à emissão de passagens e diárias – em abril, ao menos 115 deslocamentos foram classificados como “informação reservada” com menção à portaria da gestão passada.
Quando Gonet utilizou a LAI como argumento, os gastos com passagens e diárias foram classificados no portal da transparência como “informação reservada”. O texto da lei define que informações sensíveis que colocam em risco a segurança da sociedade ou do Estado poderão ser marcadas como ultrassecretas (25 anos de sigilo), secretas (15 anos de sigilo) ou reservadas (5 anos de sigilo). Novamente, não há justificativa disponível no portal da transparência sobre os riscos que impuseram a ocultação das informações.
Entre janeiro e abril deste ano, Gonet gastou R$ 46 mil com passagens, sendo três viagens nacionais e uma internacional, e recebeu R$ 29 mil em diárias que foram usadas em dois destinos internacionais e um nacional. A diferença está relacionada às viagens realizadas, mas cujas passagens não foram pagas pela PGR – ou seja, podem ter sido custeadas por outra entidade.
Aras, atual subprocurador-geral da República, também classificou recentemente como “informação reservada” suas viagens. Ele citou a norma editada durante o seu período à frente da PGR em todas viagens realizadas neste ano, que somam R$ 14 mil em passagens nacionais até o momento.
A prática dos membros do MPF é atípica entre autoridades da República. Os gastos de ministros de Estado, por exemplo, são detalhados nos portais da Transparência de cada órgão e no Sistema Integrado Administração Financeira do Governo Federal (Siafi).
Apesar deste cenário, diversos procuradores e servidores com cargos comissionados têm declarado as razões das despesas. O secretário executivo do gabinete do procurador-geral, André Sousa Maia Justiniano Ribeiro, por exemplo, declarou ter utilizado mais de R$ 9 mil em passagens e R$ 13 mil em diárias para acompanhar Gonet em um evento na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, em abril.
Somente a partir das informações divulgadas é que foi possível constatar a justificativa de Ribeiro para ter devolvido R$ 1.163,20 em diárias nessa mesma viagem aos Estados Unidos. O secretário explicou em texto publicado no Portal da Transparência que os recursos foram devolvidos por corresponderem ao valor de “quatro pernoites”, “tendo em vista o fornecimento, diretamente pelos organizadores do evento, da hospedagem, igualmente a concedida ao PGR”.