Após quebrar, em fevereiro do ano passado, a tornozeleira eletrônica que usava no Brasil, fugir para a Argentina e acabar presa, a paranaense Ana Paula de Souza diz se sentir abandonada.
Condenada pelos ataques às sedes dos Três Poderes da República em 8 de janeiro de 2023, em Brasília, ela e outros quatro brasileiros estão presos no complexo penitenciário de Ezeiza, em Buenos Aires, à espera do julgamento de extradição para o Brasil.
A audiência, marcada inicialmente para o dia 18 de junho pelo Tribunal Federal Criminal número 3, foi adiada duas vezes e acabou suspensa a pedido de um dos advogados defensores dos foragidos, que apresentou recursos em segunda instância.
“Nós estamos esquecidos em uma penitenciária da Argentina”, diz a foragida à CNN. “Estamos simplesmente abandonados, jogados às traças e ninguém se preocupa. A nossa vida não importa, a nossa família não importa, a nossa saúde não importa”, completa.
Prisão
Em entrevista concedida por telefone fixo, que atende quando está sozinha no local onde está detida, ela conta que antes estava em um lugar pior do complexo penitenciário. “Eu estava num pavilhão com onze pessoas. Sem banho de sol. Sem porcaria nenhuma”, relata.
A prisão aconteceu após a emissão de mandados pelo juiz federal Daniel Rafecas, depois de o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), solicitar a extradição de dezenas de condenados pelo 8/1 que estavam foragidos na Argentina.
Ana Paula de Souza pediu refúgio para a Conare (Comissão Nacional para os Refugiados da Argentina) e acreditava estar protegida, após o início da tramitação. Mas acabou presa perto do local onde morava, na capital Buenos Aires.
Ela acredita que a própria comissão argentina passou seus dados de residência para as autoridades que efetuaram sua prisão. “Eu confiei nesse país. E eu segui a lei desse país. E pra quê? Sendo que a própria instituição que iria nos proteger foi a que primeiro nos traiu, que me entregou para a polícia”, alega.
Souza conta que fugiu do Brasil em um ônibus e entrou na Argentina por uma fronteira seca regular, que conecta Dionísio Cerqueira, em Santa Catarina, à cidade argentina de Bernardo de Irigoyen, apresentando seu documento de identidade.
Conjunto penitenciário
Hoje, a paranaense está num conjunto penitenciário, que descreve como uma espécie de “casa” com outras duas detentas. Segundo ela, uma está presa por envolvimento com drogas e a outra por sequestro seguido de morte. “São pessoas que estão acostumadas com outro tipo de vida”, define.
No local anterior de prisão, ela diz ter descoberto que uma das detentas trocava sua água potável por água suja, o que a fez ter dores intestinais. Também relata que foi alvo de xenofobia e que conviveu com detentas que usaram drogas na frente dela, e uma que gritava o dia inteiro.
Souza diz ter sido transferida para onde está atualmente após ter uma crise de pânico: “Apaguei no chão e me levaram para o centro médico”, diz.
Atualmente, diz que, por vezes, se sente “extorquida” pelas companheiras de prisão.
“[Dizem:] Eu vou precisar disso, mas minha família não pode trazer. Você pode comprar? E, claro, eu estou sozinha, estou vulnerável. Pra minha própria segurança, falo ok, vou comprar”, relata, complementando: “Acabo fazendo isso por medo de que algo aconteça a mim”. Na prisão onde ela está, é possível comprar alimentos.
Os padecimentos, no entanto, não fizeram com que ela se arrependesse de participar dos atos do 8/1, que qualifica como uma “manifestação”. Ela afirma ser contra a depredação e a invasão das sedes dos Poderes.
Souza foi condenada a 14 anos de prisão por tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, deterioração de patrimônio tombado e associação criminosa.
A advogada dela na Argentina, Carla Junqueira, afirma que a condenação a 14 anos de prisão da cliente foragida é “equivocada”. Segundo ela, Souza foi “enfiada no meio de uma massa enorme de pessoas, sem individualização” do caso.
“Me sinto traída”
A paranaense afirma não ter se arrependido de fugir do Brasil, mas sim de escolher a Argentina como destino da fuga. “Não sabia que iríamos ser tratados dessa maneira”.
“Eu me sinto traída”, diz, referindo-se ao governo de Javier Milei. “Estão sendo negligentes com a nossa situação. Eu gosto de pessoas coerentes. Então não tem como você dizer: ‘Ah, Lula, Alexandre de Moraes, perseguem os brasileiros, e quando essas pessoas vêm para cá pedir ajuda, você os prende’. Para mim, isso não é coerente”, afirma.
Milei nunca se pronunciou a respeito dos foragidos brasileiros, que começaram a chegar ao país no ano passado. Questionado pela CNN em coletiva de imprensa em junho do ano passado, o porta-voz do presidente, Manuel Adorni, disse que a situação dos foragidos que pediram refúgio no país seria analisada caso a caso pela Conare.
“Escapa a nós essa decisão, entendo que [para a concessão de refúgio] precisam ser cumpridas determinadas condições, que se verificará em cada caso se são cumpridas ou não e se isso é factível”, afirmou Adorni na ocasião.
A Conare é formada por representantes de diferentes ministérios do governo. Também participam do colegiado o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados e organizações não governamentais, mas sem direito a voto.
Fontes envolvidas no caso afirmam que a decisão final acaba sendo política, já que Milei pode incidir para a concessão do asilo, ou nunca se pronunciar, permitindo que a última palavra seja a da Justiça.
Mas Souza não sente abandono somente do governo argentino. “Sinto falta de pronunciamentos dos políticos brasileiros, que deveriam nos ajudar”, argumenta.
Alguns parlamentares bolsonaristas, como Magno Malta (PL-ES) e Damares Alves (Republicanos-DF) estiveram na Argentina em maio para visitar os foragidos presos. Mas Souza diz que o contato com eles ou com seus familiares não continuou.
Questionada pela CNN, ela afirma que todos os foragidos na Argentina se sentem abandonados. E que os que não foram presos sentem medo, já que ainda são alvos dos 62 pedidos de extradição emitidos por Moraes.
Ela afirma que o temor da prisão levou alguns a saírem da Argentina, mas que muitos ainda estão no país, esperando o posicionamento da Conare sobre o refúgio.