Vladimir Putin ameaçou armar a Coreia do Norte se os países ocidentais continuarem a fornecer ajuda militar à Ucrânia, uma vez que o novo pacto de defesa do presidente da Rússia com Pyongyang provocou uma série de repercussões diplomáticas na região.
As observações de Putin, no final de uma visita de Estado ao Vietnã, culminaram uma semana em que Moscou procurou abalar o Ocidente e projetar força de uma parte do mundo onde a sua influência ainda tem peso.
“Aqueles que fornecem estas armas acreditam que não estão em guerra conosco. Eu disse, inclusive em Pyongyang, que então nos reservamos o direito de fornecer armas a outras regiões do mundo”, disse Putin aos jornalistas na quinta-feira (20), no final da sua viagem a Hanói, em resposta a uma pergunta sobre se o fornecimento de armas ocidentais de longo alcance podem ser consideradas um ato de agressão.
“Para onde eles irão em seguida?” disse ele, sugerindo que esses países poderiam então vender as armas aos adversários ocidentais.
A assinatura de um pacto de defesa mútua pela Rússia e pela Coreia do Norte esta semana provocou repercussões em toda a região, com a Coreia do Sul a convocar o enviado de Moscou na sexta-feira (21), e o Japão e os Estados Unidos a expressarem sérias preocupações.
O pacto de defesa, que tem como pano de fundo a guerra opressiva de Putin contra a Ucrânia, é o acordo mais significativo assinado pela Rússia e pela Coreia do Norte em décadas e é visto como uma espécie de renascimento do seu compromisso de defesa mútua da era da Guerra Fria de 1961.
O acordo foi assinado na quarta-feira (19), durante a viagem de Putin a Pyongyang, onde recebeu calorosas boas-vindas do colega autocrata Kim Jong-un, líder da Coreia do Norte.
O compromisso diplomático consolida a poderosa ligação do regime de Kim com uma potência mundial que exerce o poder de veto no Conselho de Segurança da ONU e significa que a Rússia tem agora um pacto de defesa com o maior inimigo da Coreia do Sul.
A Coreia do Sul, aliada dos EUA, condenou o tratado e convocou o embaixador da Rússia nesta sexta-feira, um raro passo diplomático que ilustra as tensões agravadas entre Seul e Moscou.
O primeiro vice-ministro Kim Hong-kyun transmitiu a “posição severa” do governo sul-coreano sobre o pacto de defesa de Kim e Putin, instando Moscou a “interromper imediatamente a cooperação militar” com Pyongyang e a cumprir as resoluções do Conselho de Segurança da ONU, disse o Ministério das Relações Exteriores.
Kim disse ao embaixador russo que “qualquer cooperação que possa direta ou indiretamente ajudar a reforçar o poder militar norte-coreano é uma violação da resolução do Conselho de Segurança da ONU”, acrescentando que a Rússia, membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, deveria “agir com responsabilidade”, segundo para o ministério.
Um oficial das forças armadas dos EUA, que mantêm quase 30.000 soldados na Coreia do Sul, disse à CNN que os laços mais estreitos entre a Rússia e a Coreia do Norte eram preocupantes.
“Estes desenvolvimentos devem preocupar qualquer país que se preocupe em manter a paz e a estabilidade na Península Coreana, cumprindo as resoluções do Conselho de Segurança da ONU e apoiando o povo da Ucrânia enquanto defende a sua liberdade e independência contra a invasão brutal da Rússia”, disse o oficial militar.
Novas ameaças
Putin voou para o Vietnã na quinta-feira (20), onde renovou as ameaças às potências ocidentais e aos seus parceiros na Ásia.
Falando a jornalistas russos no final da visita, acusou a Otan de “criar uma ameaça” para a Rússia na Ásia.
“E vemos o que está acontecendo na Ásia, certo? O sistema de bloco está sendo montado na Ásia. A Otan já está se mudando para lá como local de residência permanente. Isto, naturalmente, cria uma ameaça para todos os países da região, incluindo a Federação Russa. Somos obrigados a responder a isso e o faremos”, disse Putin.
Putin alertou na quinta-feira que a Coreia do Sul estaria cometendo “um grande erro” se decidisse fornecer armas à Ucrânia, alegando que Seul “não tem nada com que se preocupar” em relação à nova parceria estratégica assinada pela Rússia e pela Coreia do Norte.
“Até onde eu sei, a República da Coreia não planeja agredir a RPDC (República Popular Democrática da Coreia), o que significa que não há necessidade de ter medo da nossa cooperação nesta área”, disse ele.
Mas, ao mesmo tempo, altos funcionários do governo russo alertavam que Moscou planeava enviar armas para a Coreia do Norte.
“Pergunto-me o que dirá o povo deste país (Coreia do Sul) quando virem as mais recentes armas russas dos seus vizinhos mais próximos – os nossos parceiros da RPDC?” disse o alto funcionário russo Dmitry Medvedev em um post no Telegram.
As forças dos EUA e da Coreia do Sul realizam exercícios e treinos regulares dentro e ao redor da Península Coreana, e os dois aliados têm trabalhado mais estreitamente com o Japão, incluindo exercícios recentes envolvendo forças dos três países.
O Diretor de Segurança Nacional, Chang Ho-jin, disse que a Coreia do Sul iria rever a questão do fornecimento de armas à Ucrânia, mas também observou que Seul estava disposta a esperar pela explicação do governo russo sobre os resultados da reunião entre Putin e Kim Jong Un.
Atualmente, a política da Coreia do Sul é não fornecer armas letais à Ucrânia.
Mais tarde, quando questionado sobre esses comentários, Putin disse: “Quanto ao fornecimento de armas letais à zona de combate na Ucrânia, isto seria um erro muito grande. Espero que isso não aconteça. Se isso acontecer, também tomaremos decisões apropriadas, que provavelmente não agradarão à atual liderança da Coreia do Sul”.
Relatórios do início da guerra dizem que a Coreia do Sul pode ter fornecido projéteis de artilharia de 155 mm aos Estados Unidos para substituir os projéteis de 155 mm enviados à Ucrânia.
Um relatório recente do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS) afirmou que o arsenal de artilharia de 105 mm da Coreia do Sul poderia dar à Ucrânia um importante impulso no campo de batalha se fosse entregue a Kiev.
“Relatórios públicos sugerem que a Coreia do Sul tem cerca de 3,4 milhões de projéteis de artilharia de 105 mm”, disse o relatório do CSIS.
A Ucrânia tem cerca de 100 peças de artilharia de 105 mm, segundo o relatório.
“Durante a Guerra do Vietnã, essa artilharia mais leve se revelou indispensável nas bases de fogo, dada a sua elevada mobilidade rodoviária e aérea. O seu peso leve e mobilidade permitiriam que as unidades de artilharia ucranianas se deslocassem rapidamente após o disparo, uma tática crucial para a sobrevivência no campo de batalha moderno. Esses equipamentos também permitiriam que os comandantes do campo de batalha ucraniano conduzissem ataques em terrenos acidentados contra alvos de alto valor”, afirmou o relatório do CSIS.
Na quinta-feira (20), o secretário-chefe de gabinete do Japão, Yoshimasa Hayashi, também expressou forte preocupação com o acordo assinado pela Rússia e pela Coreia do Norte.
O fato de Putin “não ter descartado a cooperação técnico-militar com a Coreia do Norte, que poderia ser uma violação direta das resoluções relevantes do Conselho de Segurança da ONU, é um ponto de séria preocupação do ponto de vista do seu possível impacto no ambiente de segurança que rodeia o nosso país”, disse Hayashi em entrevista coletiva.